sexta-feira, 30 de abril de 2010

Viagens Gastronômicas: I - Évora (a cozinha do Alentejo)


Após curta passagem pela península Ibérica, iniciarei uma série sobre algumas boas experiências vividas nesta viagem. Reservo o primeiro capítulo para falar da região do Alentejo, e, mais precisamente, da cidade de Évora, sua capital. Utilizarei, também, trechos do diário escrito por mim, durante a viagem, para ilustrar algumas situações pelas quais passamos eu e o meu tio avô, Henrique Cezar.

Chegamos em Lisboa na sexta-feira, ao amanhecer, e fomos direto para a estação rodoviária Sete Rios, de onde saem os ônibus (ou auto-carros) para Évora. O trajeto até a cidadezinha não durou mais que 2 horas.

"Entramos na cidadezinha murada e fomos andando... Em dado momento, reparei que os nomes das ruas tinham grande influência moura. Não só tem tal influência os nomes das ruas, como também as construções. As casas são todas brancas, normalmente ornadas com azulejos. As janelas são quase sempre verdes, com borda amarela, e, não raro, apresentam grades de ferro forjado. As ruas são estreitas, tortas e irregulares..."



Deixemos de lado os aspectos arquitetônicos, sobre os quais não conheço nada, e atenhamo-nos ao assunto de interesse neste espaço, a gastronomia.

"Localizamos os dois restaurantes – somente após várias informações dos senhores locais, que não são poucos (todos bem vestidos) – Tasquinha do Oliveira e Taverna Típica Quarta-feira e reservamos lugares.”


A cidade não é lotada de restaurantes apenas. Há, também, diversas lojas, mercearias, frutarias, confeitarias, etc. Entramos em algumas, principalmente para olharmos vinhos da região, os quais são extremamente valorizados – peço permissão para falar um pouco sobre vinhos - e costumam ter bom corpo, apesar de serem mais abertos e aromáticos que os do Douro e do Dão, por exemplo, que possuem características de vinhos mais robustos. Chega, chega, não posso me alongar muito. Acabaria falando besteiras.

Já com fome sentamos para almoçar na Tasquinha d’Oliveira, recomendada pelo meu tio, Ronald, e por sua namorada, Daphne. Seguimos a indicação.

"O lugar é muito pequeno. Há apenas 4 ou 5 mesas (16 lugares). Acomodamo-nos e logo foram colocados à mesa tira-gostos: sapateira desfiada, cogumelos com hortelã, pimentões assados, polvo com vinagrete, pataniscas de bacalhau (acabadas de sair), costeletas de cordeiro empanadas (idem), perdizes em escabeche e fritada de agrião. Algumas esferas de melão (ótimo) para limpar o paladar. Pedimos carne de porco frita com amêijoas, prato típico da região do Alentejo. Um vinho também alentejano – Monte da Ravasqueira. Para completar, doces portugueses variados, que, obviamente, são compostos de açúcar e gemas (claras e canela também aparecem com freqüência): cericaia, que vem com uma ameixa de Elvas, farófias e encharcada. Um copo de vinho do porto. Ainda faltava o cafezinho, acompanhado de queijadinhas que precisaram cavar um espaço no estômago. O banquete foi bem acomodado. Uma epopeia gastronômica portuguesa, digna de versos de Camões!”


Preciso agradecer àqueles que me indicaram essa tasquinha.

A comida portuguesa, e a do Alentejo não poderia fugir disto, é costumeiramente simples. São valorizados os ingredientes locais e frescos, de acordo com a época. Sem muitos temperos, predominam o azeite, o alho e o coentro. São utilizadas técnicas tradicionais, em detrimento de inovações científicas. No caso dos doces, a abundância de açúcar, desde os idos tempos de exploração do Brasil, é refletida nas receitas tradicionais. Gemas e açúcar são presenças garantidas (e em quantidades incríveis). Além disso, especiarias, como a canela, também são muito utilizadas (mais um reflexo da Expansão Marítima portuguesa), e também frutos secos (principalmente amêndoas), o que revela a influência moura.

Depois do almoço, conhecemos alguns lugares interessantes na cidade, mas vamos ao jantar, que merece grande exaltação.

"... fomos andando em direção ao restaurante onde jantaríamos. Ainda não estávamos com fome, mas precisávamos pegar o ônibus das 21:00 para Lisboa, já que era o último do dia. A Taverna Típica Quarta-Feira fica bem escondida, e, como a Tasquinha d’Oliveira, tem poucas mesas e o atendimento é feito pelo próprio dono, José Dias (um portuga gordo, com farto bigode). Não sabíamos o que comeríamos. Deixamos a critério do Zé, que, prontamente, nos serviu queijo da região levado ao forno, um embutido bem gordo, pão e um cogumelo com azeite, alho e ervas. Depois, veio à mesa uma costeleta de cachaço com esparragada. Trata-se da parte de cima do lombo de um porco preto, alimentado especialmente com bolotas – uma espécie de pinhão – com parte da coluna vertebral. Confesso que não comi carne de porco mais macia e saborosa que esta na vida! O vinho era o da casa, elaborado pelo enólogo Paulo Laureano. De sobremesa, vieram “encharcadas” e “mel e nozes” com um cálice de vinho fortificado da região do Alentejo, da vinícola Mouchão.”


Mais uma vez, pode-se perceber a simplicidade no trato dos ingredientes e o apelo pelo frescor dos produtos. Não à toa, abril é época de cogumelos como os que nos foram servidos. Queijo de ovelha e embutidos são típicos da região, caracterizada pela criação de animais de corte e de leite. O porco preto, que deu origem ao magnífico prato principal é criado nas fazendas da região, e alimentado com frutos de árvores da mesma. Os acompanhamentos desempenham perfeitamente seu papel: valorizar o elemento principal do prato. No capítulo das sobremesas, novamente a abundância de gemas e açúcar; a canela; o fruto seco (dessa vez nozes).

Tudo é muito rústico, familiar, aconchegante. Prima-se pela boa comida, pela comida bem feita, não pela comida que impressiona, que é melhor para os olhos do que para a boca. A boa apresentação de um prato é, sim, importante, mas não pode possuir primazia na culinária. E a cozinha portuguesa segue bem este fundamento.

A cozinha portuguesa apresenta especificidades de acordo com as regiões, mas é unânime em um aspecto primordial: é para quem gosta de comer, não para quem gosta de falar que comeu.

Até o próximo capítulo.

Um comentário:

Gabriel disse...

Meu querido,que passeio!
Confesso que após ter lido essa sua belíssima experiência nessa terra rica,fiquei invejoso e com muita fome!hahaha
Meus parabéns pelo blog,que exalta um bom gosto que já era esperado!
Espero na próxima vez poder participar de tal evento haha;
Se cuida meu filho!
Abraços
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Gabriel.