Quinta-feira de manhã, estava eu em frente ao computador lendo notícias e afins, quando meu pai me mostrou, com bastante entusiasmo (ou algo próximo do máximo que se pode transmitir numa manhã de quinta) um anúncio de jornal. O tal anúncio era de um concurso para "novos chefs", e era preciso enviar uma receita com influência da culinária brasileira.
Pus-me a pensar, então, aceitando a brincadeira, em o que seria culinária brasileira, ou o que seria um prato representativo desta. A pergunta, se bem que clichê, me parece pertinente: "existe culinária brasileira?" Há quem afirme categoricamente: "Óbvio que sim! Ou uma moqueca baiana, feita por uma baiana daquelas no alto do Pelourinho, não é brasileira?"
Sem que eu conseguisse mergulhar num mar de reflexões sobre este ponto de vista, ative-me à possível opinião oposta. Diria o outro: "É claro que não existe. Há, na verdade, culturas gastronômicas regionais, como as autóctones capixaba e paraense, como outras típicas - baiana, mineira, carioca - nas quais se observam influências tais que formam as identidades."
(E aí? Como eu iria criar uma receita com um conceito pré-estabelecido - cozinha brasileira - se eu nem sei se isto existe?)
Voltando ao primeiro ponto de análise, seria a moqueca baiana brasileira de fato? Por que? Seria mais exato caracterizá-la somente como baiana, visto que trata-se de uma cultura local, influenciada por diversos aspectos históricos e geográficos específicos desta região, de acordo com a segunda opinião indicada?
A moqueca baiana não se assemelha à capixaba, ainda que se trate em ambos os casos de um fruto do mar (ou vários) ensopado. E isto vale não apenas para o próprio ensopado, mas para os acompanhamentos também. Experimente perguntar a um pescador em Iriri se a moqueca deveria levar dendê! Ou então, arrisque-se a reivindicar o uso de urucum a uma baiana típica! Talvez seja melhor evitar este tipo de indisposição.
Qual seria a moqueca brasileira? A capixaba, por ser autóctone? Ou a baiana, por congregar a cultura negra africana, a ameríndia nativa e a europeia? Pelo mesmo motivo, a capixaba não deveria ser considerada estritamente capixaba? No caso da baiana, pela razão citada, não deveria ser considerada somente baiana, ou internacional, ou...? Seriam as duas brasileiras? Ou nenhuma?
Pode ser considerado comida brasileira um sashimi de tucunaré? Ou um risoto de muçuã? Por outro lado, poderia ser considerada brasileira uma moqueca de centolla? Ou uma tapioca recheada com shawarma? Tudo isso poderia ser caracterizado como comida brasileira? Ou nada disso? É possível ser tão purista e afirmar que comida brasileira é aquela que não sofre influências nem apresenta apropriações de culturas externas? É um erro considerar que o processo de globalização mantém a existência de uma cultura?
Certamente, impõem-se muito mais perguntas que respostas. Ou respostas muito imprecisas a tantas perguntas? É necessário levar em conta o conceito proposto. O que é "brasileiro"? Haveria, enfim, uma cozinha brasileira ou apenas cozinhas regionais? Seria possível afirmar que a culinária brasileira é formada pelas cozinhas regionais, que, sendo assim, se apresentam como verdadeiras microcozinhas brasileiras?
Um abraço.
Pus-me a pensar, então, aceitando a brincadeira, em o que seria culinária brasileira, ou o que seria um prato representativo desta. A pergunta, se bem que clichê, me parece pertinente: "existe culinária brasileira?" Há quem afirme categoricamente: "Óbvio que sim! Ou uma moqueca baiana, feita por uma baiana daquelas no alto do Pelourinho, não é brasileira?"
Sem que eu conseguisse mergulhar num mar de reflexões sobre este ponto de vista, ative-me à possível opinião oposta. Diria o outro: "É claro que não existe. Há, na verdade, culturas gastronômicas regionais, como as autóctones capixaba e paraense, como outras típicas - baiana, mineira, carioca - nas quais se observam influências tais que formam as identidades."
(E aí? Como eu iria criar uma receita com um conceito pré-estabelecido - cozinha brasileira - se eu nem sei se isto existe?)
Voltando ao primeiro ponto de análise, seria a moqueca baiana brasileira de fato? Por que? Seria mais exato caracterizá-la somente como baiana, visto que trata-se de uma cultura local, influenciada por diversos aspectos históricos e geográficos específicos desta região, de acordo com a segunda opinião indicada?
A moqueca baiana não se assemelha à capixaba, ainda que se trate em ambos os casos de um fruto do mar (ou vários) ensopado. E isto vale não apenas para o próprio ensopado, mas para os acompanhamentos também. Experimente perguntar a um pescador em Iriri se a moqueca deveria levar dendê! Ou então, arrisque-se a reivindicar o uso de urucum a uma baiana típica! Talvez seja melhor evitar este tipo de indisposição.
Qual seria a moqueca brasileira? A capixaba, por ser autóctone? Ou a baiana, por congregar a cultura negra africana, a ameríndia nativa e a europeia? Pelo mesmo motivo, a capixaba não deveria ser considerada estritamente capixaba? No caso da baiana, pela razão citada, não deveria ser considerada somente baiana, ou internacional, ou...? Seriam as duas brasileiras? Ou nenhuma?
Pode ser considerado comida brasileira um sashimi de tucunaré? Ou um risoto de muçuã? Por outro lado, poderia ser considerada brasileira uma moqueca de centolla? Ou uma tapioca recheada com shawarma? Tudo isso poderia ser caracterizado como comida brasileira? Ou nada disso? É possível ser tão purista e afirmar que comida brasileira é aquela que não sofre influências nem apresenta apropriações de culturas externas? É um erro considerar que o processo de globalização mantém a existência de uma cultura?
Certamente, impõem-se muito mais perguntas que respostas. Ou respostas muito imprecisas a tantas perguntas? É necessário levar em conta o conceito proposto. O que é "brasileiro"? Haveria, enfim, uma cozinha brasileira ou apenas cozinhas regionais? Seria possível afirmar que a culinária brasileira é formada pelas cozinhas regionais, que, sendo assim, se apresentam como verdadeiras microcozinhas brasileiras?
Um abraço.