sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Sobre culinária brasileira (ou culinárias brasileiras)

Quinta-feira de manhã, estava eu em frente ao computador lendo notícias e afins, quando meu pai me mostrou, com bastante entusiasmo (ou algo próximo do máximo que se pode transmitir numa manhã de quinta) um anúncio de jornal. O tal anúncio era de um concurso para "novos chefs", e era preciso enviar uma receita com influência da culinária brasileira.
Pus-me a pensar, então, aceitando a brincadeira, em o que seria culinária brasileira, ou o que seria um prato representativo desta. A pergunta, se bem que clichê, me parece pertinente: "existe culinária brasileira?" Há quem afirme categoricamente: "Óbvio que sim! Ou uma moqueca baiana, feita por uma baiana daquelas no alto do Pelourinho, não é brasileira?"
Sem que eu conseguisse mergulhar num mar de reflexões sobre este ponto de vista, ative-me à possível opinião oposta. Diria o outro: "É claro que não existe. Há, na verdade, culturas gastronômicas regionais, como as autóctones capixaba e paraense, como outras típicas - baiana, mineira, carioca - nas quais se observam influências tais que formam as identidades."
(E aí? Como eu iria criar uma receita com um conceito pré-estabelecido - cozinha brasileira - se eu nem sei se isto existe?)
Voltando ao primeiro ponto de análise, seria a moqueca baiana brasileira de fato? Por que? Seria mais exato caracterizá-la somente como baiana, visto que trata-se de uma cultura local, influenciada por diversos aspectos históricos e geográficos específicos desta região, de acordo com a segunda opinião indicada?
A moqueca baiana não se assemelha à capixaba, ainda que se trate em ambos os casos de um fruto do mar (ou vários) ensopado. E isto vale não apenas para o próprio ensopado, mas para os acompanhamentos também. Experimente perguntar a um pescador em Iriri se a moqueca deveria levar dendê! Ou então, arrisque-se a reivindicar o uso de urucum a uma baiana típica! Talvez seja melhor evitar este tipo de indisposição.
Qual seria a moqueca brasileira? A capixaba, por ser autóctone? Ou a baiana, por congregar a cultura negra africana, a ameríndia nativa e a europeia? Pelo mesmo motivo, a capixaba não deveria ser considerada estritamente capixaba? No caso da baiana, pela razão citada, não deveria ser considerada somente baiana, ou internacional, ou...? Seriam as duas brasileiras? Ou nenhuma?
Pode ser considerado comida brasileira um sashimi de tucunaré? Ou um risoto de muçuã? Por outro lado, poderia ser considerada brasileira uma moqueca de centolla? Ou uma tapioca recheada com shawarma? Tudo isso poderia ser caracterizado como comida brasileira? Ou nada disso? É possível ser tão purista e afirmar que comida brasileira é aquela que não sofre influências nem apresenta apropriações de culturas externas? É um erro considerar que o processo de globalização mantém a existência de uma cultura?
Certamente, impõem-se muito mais perguntas que respostas. Ou respostas muito imprecisas a tantas perguntas? É necessário levar em conta o conceito proposto. O que é "brasileiro"? Haveria, enfim, uma cozinha brasileira ou apenas cozinhas regionais? Seria possível afirmar que a culinária brasileira é formada pelas cozinhas regionais, que, sendo assim, se apresentam como verdadeiras microcozinhas brasileiras?

Um abraço.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Viagens Gastronômicas: Doces Portugueses Parte I

Escrever sobre doces portugueses é “invadir” a história de Portugal. Para tal, é necessário analisar os processos políticos, sociais e econômicos desse, pequeno, Estado Ibérico. Não me aterei a uma documentação historiográfica detalhada, até porque este não é o objeto de estudo. Ainda assim, aproveitarei algumas oportunidades para “salpicar um pouco de História” por cima dos doces mais doces da Europa. Tragam as sobremesas, por favor!

Está longe de mim a pretensão de ter provado um décimo dos doces feitos em Portugal. Apesar disso, listo alguns, os quais representam razoavelmente a cultura confeiteira do país: ameixa d’Elvas, toucinho do céu, pastel de Belém (ou de nata), papo de anjo, pera ao vinho, arroz doce e farófias. Esta seleção, ainda que incompleta, como disse, abrange os principais elementos componentes dos doces de além-mar.

Começo pelas frutas, quase sempre cozidas em açúcar (compotas) ou em vinho, seguindo a tradição galênica (referente ao médico romano Galeno, que se apoiou nas teorias de Hipócrates, da Grécia Antiga) dos quatro fatores básicos: quente, frio, úmido e seco. Tais fatores baseiam-se nos quatro elementos fundamentais da natureza: ar, água, terra e fogo. De acordo com a medicina galênica, plenamente difundida na era pré-moderna, uma alimentação saudável deveria apresentar o equilíbrio entre tais elementos. Variando segundo a própria idade da pessoa (uma pessoa jovem é mais quente e úmida, uma idosa, mais fria e seca) os alimentos deveriam ser consumidos para que se atingisse tal equilíbrio, e o mesmo vale para a cura de doenças. Se uma doença era diagnosticada por excesso de “frio”, deveriam ser ingeridos alimentos “quentes”, e vice-versa. Sendo assim, a pera, fruta muito fria e úmida, deveria ser balanceada com uma substância quente e seca: o vinho tinto (além de especiarias como canela e cravo-da-índia, por exemplo). Isso não vale somente para Portugal, mas para grande parte da Europa também.

Outro elemento é o arroz. Sobre ele já escrevi no texto anterior, mas vale ressaltar que, na época de sua chegada à Europa, o cereal era utilizado na preparação de sopas, para conferi-las maior valor nutritivo, e também na preparação de mingaus e papas (geralmente cozido com leite de amêndoas e açúcar). Foi daí que surgiu o arroz doce, que antes era utilizado como acompanhamento para pratos de carne, ou como revigorante simplesmente.

E o que seria de um toucinho do céu sem as amêndoas? A utilização destes frutos foi influenciada largamente pelos árabes, que ocuparam a Península Ibérica de 710 d.C. até 1492, quando os espanhóis, enfim, consolidaram-se como Estado Nacional (Portugal o havia feito em 1385, na chamada Revolução de Avis). As amêndoas e outros frutos secos, como as nozes, foram utilizados como espessantes para cremes e molhos (a partir da maceração destes em pilão, transformando-os em farinha) ou para cozimento de carnes, peixes, cereais, etc. a partir da utilização do “leite” extraído. Com o tempo tornaram-se a base de tortas e bolos, como o de “mel e nozes”, por exemplo, que tive a oportunidade de provar em Évora, na taverna típica Quarta-feira (veja no primeiro texto da série). Aproveito este momento para dizer que mesmo tendo provado ótimo toucinho do céu em Lisboa, não comi um melhor do que o feito pelo Chef Santos, do Casual Retrô, que segue uma receita de sua avó. Este sim é do Céu!

Para encerrar esta primeira parte, falo sobre as especiarias. Muito apreciadas durante a Idade Média, eram usadas na cozinha de forma indiscriminada, sem sequer haver a preocupação de combiná-las racionalmente. Alguns historiadores defendem que as especiarias eram utilizadas para conservar alimentos, e para mascarar o gosto ruim causado pela dificuldade de conservação dos mesmos. Prefiro a corrente que defende a utilização dos “temperos” como forma de afirmação de status, principalmente porque havia, sim, maneiras mais eficazes e mais baratas de estocagem de carnes (defumação, secagem por salga, etc.) e frutas (compotas, secagem ao sol ou em fornos, etc.). Além disso, o uso de especiarias foi praticamente abandonado pela cozinha palaciana a partir do momento em que seus preços caíram, tornando seu uso mais comum. Logo, depreende-se que a utilização demasiada de especiarias era, de fato, uma maneira de a nobreza se afirmar como classe superior, já que seu uso (em maior ou em menor escala) está relacionado à exclusividade da obtenção delas. Ainda assim, ficaram alguns resquícios desta tradição - muito obrigado! A canela-em-pau e o cravo-da-índia são, ainda hoje, muito utilizados no preparo de cremes e de frutas cozidas. Além disso, a primeira, em forma de pó, é frequentemente espargida sobre os doces, como o arroz doce, a cericaia, o pastel de Belém, etc., além de compor a receita do toucinho do céu. Deve-se citar também a noz-moscada, mas esta já não é tão utilizada em Portugal quanto na Itália ou na França, por exemplo.

Continua...

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Viagens Gastronômicas: II - Algo sobre arroz...

No segundo texto da série, resolvi falar sobre um aspecto da culinária portuguesa que me deixou bastante intrigado. Adianto que não cheguei a uma conclusão, até porque não pude percorrer todas as regiões do país, e, assim, não pude conhecer as diferenças no preparo do prato entre cada uma. Trata-se do arroz. Não do arroz que serve de acompanhamento, ou do arroz cozido para doces ou ensopados "salgados", mas do arroz como elemento básico do prato, misturado com carnes ou frutos do mar.

Um breve comentário histórico: o arroz (Oryza sativa) é uma planta originária do Extremo Oriente, mas já na Antiguidade Clássica era conhecido pelos botânicos e farmacêuticos gregos. A sua introdução na Península Ibérica deu-se por meio dos muçulmanos, que dominaram a Baixa Mesopotâmia e o Egito, estendendo seu cultivo à Palestina e ao Magreb (norte da África, de tradição árabe - ou África Branca), chegando à Andaluzia (sul da Espanha) por volta do século X. A partir de então, o grão nutritivo foi sendo incluído como elemento culinário, normalmente constituindo a base para sopas, misturado com carne ou peixe. Podia, também, ser cozido com leite, manteiga, acúcar ou mel (mais barato), dando forma a um doce extremamente apreciado na alta cozinha muçulmana.
Entendemos, a partir deste parágrafo, o motivo para os arrozes espanhóis (andaluz ou valenciano) serem mais molhados. Seguem a tradição de serem servidos como sopas, ainda que tenham "perdido" um pouco do líquido. O que me motivou a escrever este texto, no entanto, foi o que percebi em Portugal, no que tange à diferença no preparo do arroz quando é feito com carne, ou quando é feito com peixes e outros frutos do mar. E não é só isso. Aqui no Brasil, chefs de tradição portuguesa, ainda que de diferentes regiões, costumam preparar os seus mais parecidos com os arrozes espanhóis do que com os arrozes portugueses (pelo menos de acordo com o que vi durante a viagem). Repito: não pude chegar a uma conclusão suficiente, já que não visitei todas as regiões de Portugal, não sendo possível experimentar o arroz feito no Algarves ou o feito no Douro, por exemplo. Vamos, pois, ao que interessa...

Sentamos, eu e Henrique Cezar, no restaurante "Farta Brutos", sobre o qual escreverei em outra ocasião. No cardápio, constava um apetitoso "Arroz de Pato", prato este que eu já houvera me obrigado a experimentar, assim como um bacalhau ou um toucinho do céu. Pedimos. Além dele, pedimos também língua de vitela ao molho de vinho, que estava ótima, mas isto não vem ao caso. Foi-nos servido um arroz bastante saboroso. A carne do pato estava ótima e desfiava sem que se precisasse do auxílio de uma faca. Mas estava, para meu espanto, seco. Não quero dizer que estava "mal feito", ou que deveria ser servido com um caldo do próprio cozimento da ave. O que acontece é que eu, particularmente, prefiro um arroz mais molhado, e esperava que assim ele viesse. Até porque, cá no Brasil, é de costume que o arroz seja servido bem úmido. Mais uma vez, respeito a maneira com que foi preparado o prato, não é minha intenção dizer o que é melhor ou pior. Trata-se, apenas, de uma opinião, e de uma constatação de diferenças.

Pus-me a pensar, então, e decidi que provaria novamente um ou mais arrozes para sanar esta dúvida intrigante.



No dia seguinte, estávamos em Cascais (acima) e fomos almoçar em um restaurante especializado em frutos do mar. Pedi arroz com camarão, amêijoas e lagosta, sem mesmo consultar meu tio avô, ainda que o prato fosse para dividirmos. Após servir-nos uma leve entrada de aspargos, trouxe-nos, o garçon, uma tijela de barro borbulhante. Era um arroz de frutos do mar. Um arroz como aquele que tinha concebido após me informar sobre a história da introdução do grão na Península Ibérica. Fora o sabor maravilhoso, a consistência ideal, o ponto e o frescor perfeitos dos frutos do mar, saltou-me aos olhos um detalhe: a quantidade de (ótimo) caldo. Não tratava-se de um arroz com boa umidade, como aqui no Brasil costumam servir. Era, de fato, próximo de uma sopa. Fiquei satisfeito. Quer dizer, satisfeito com o prato, mas ainda mais intrigado pelo fato de o arroz de frutos do mar ter sido servido bem molhado, e o de pato ter sido servido seco. Só me restava provar novamente.


À noite, fomos jantar no restaurante "Cozinha Velha"(acima), cujo salão era, realmente, a antiga cozinha do Palácio Real (uma "réplica" de Versailles), em Queluz. Ignoremos as outras etapas, e atentemo-nos ao prato que pedi: coxa de pato laqueada com arroz do próprio pato. Novamente me deparo com um arroz saborosíssimo, com lascas de pato e embutidos misturados. Seco! A coxa estava irreparável, mas o arroz estava seco! Pela última vez: não quero dizer que estava errado, apenas não esperava que esta fosse a maneira comum de se servir arroz de pato.
Estava claro, ou pelo menos parecia, que arrozes de pato (e acho que posso incluir aí o de cabrito, apesar de não ter comido) são servidos secos, enquanto os de frutos do mar são servidos molhados. Precisava confirmar a tese.


Fomos a Sesimbra (acima), cidadezinha de praia ao sul de Lisboa, perto de Setúbal. Além da açorda de camarão (ótima), pedimos arroz de polvo. Sem me alongar muito, digo que estava ótimo, e bem molhado! Também pudera. A lógica é esta. E tem fundamento. Apesar de não ser minha predileção, é concebível o arroz de carne (pato ou cabrito) ser servido seco. O que não o é quando se trata de fruto do mar.
Tese concluída! Ou não! Por que aqui se serve sempre meio úmido? Acho que preciso perguntar ao Santos, ou conhecer Portugal de Norte a Sul. Ou as duas coisas.

Até a próxima!

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Viagens Gastronômicas: I - Évora (a cozinha do Alentejo)


Após curta passagem pela península Ibérica, iniciarei uma série sobre algumas boas experiências vividas nesta viagem. Reservo o primeiro capítulo para falar da região do Alentejo, e, mais precisamente, da cidade de Évora, sua capital. Utilizarei, também, trechos do diário escrito por mim, durante a viagem, para ilustrar algumas situações pelas quais passamos eu e o meu tio avô, Henrique Cezar.

Chegamos em Lisboa na sexta-feira, ao amanhecer, e fomos direto para a estação rodoviária Sete Rios, de onde saem os ônibus (ou auto-carros) para Évora. O trajeto até a cidadezinha não durou mais que 2 horas.

"Entramos na cidadezinha murada e fomos andando... Em dado momento, reparei que os nomes das ruas tinham grande influência moura. Não só tem tal influência os nomes das ruas, como também as construções. As casas são todas brancas, normalmente ornadas com azulejos. As janelas são quase sempre verdes, com borda amarela, e, não raro, apresentam grades de ferro forjado. As ruas são estreitas, tortas e irregulares..."



Deixemos de lado os aspectos arquitetônicos, sobre os quais não conheço nada, e atenhamo-nos ao assunto de interesse neste espaço, a gastronomia.

"Localizamos os dois restaurantes – somente após várias informações dos senhores locais, que não são poucos (todos bem vestidos) – Tasquinha do Oliveira e Taverna Típica Quarta-feira e reservamos lugares.”


A cidade não é lotada de restaurantes apenas. Há, também, diversas lojas, mercearias, frutarias, confeitarias, etc. Entramos em algumas, principalmente para olharmos vinhos da região, os quais são extremamente valorizados – peço permissão para falar um pouco sobre vinhos - e costumam ter bom corpo, apesar de serem mais abertos e aromáticos que os do Douro e do Dão, por exemplo, que possuem características de vinhos mais robustos. Chega, chega, não posso me alongar muito. Acabaria falando besteiras.

Já com fome sentamos para almoçar na Tasquinha d’Oliveira, recomendada pelo meu tio, Ronald, e por sua namorada, Daphne. Seguimos a indicação.

"O lugar é muito pequeno. Há apenas 4 ou 5 mesas (16 lugares). Acomodamo-nos e logo foram colocados à mesa tira-gostos: sapateira desfiada, cogumelos com hortelã, pimentões assados, polvo com vinagrete, pataniscas de bacalhau (acabadas de sair), costeletas de cordeiro empanadas (idem), perdizes em escabeche e fritada de agrião. Algumas esferas de melão (ótimo) para limpar o paladar. Pedimos carne de porco frita com amêijoas, prato típico da região do Alentejo. Um vinho também alentejano – Monte da Ravasqueira. Para completar, doces portugueses variados, que, obviamente, são compostos de açúcar e gemas (claras e canela também aparecem com freqüência): cericaia, que vem com uma ameixa de Elvas, farófias e encharcada. Um copo de vinho do porto. Ainda faltava o cafezinho, acompanhado de queijadinhas que precisaram cavar um espaço no estômago. O banquete foi bem acomodado. Uma epopeia gastronômica portuguesa, digna de versos de Camões!”


Preciso agradecer àqueles que me indicaram essa tasquinha.

A comida portuguesa, e a do Alentejo não poderia fugir disto, é costumeiramente simples. São valorizados os ingredientes locais e frescos, de acordo com a época. Sem muitos temperos, predominam o azeite, o alho e o coentro. São utilizadas técnicas tradicionais, em detrimento de inovações científicas. No caso dos doces, a abundância de açúcar, desde os idos tempos de exploração do Brasil, é refletida nas receitas tradicionais. Gemas e açúcar são presenças garantidas (e em quantidades incríveis). Além disso, especiarias, como a canela, também são muito utilizadas (mais um reflexo da Expansão Marítima portuguesa), e também frutos secos (principalmente amêndoas), o que revela a influência moura.

Depois do almoço, conhecemos alguns lugares interessantes na cidade, mas vamos ao jantar, que merece grande exaltação.

"... fomos andando em direção ao restaurante onde jantaríamos. Ainda não estávamos com fome, mas precisávamos pegar o ônibus das 21:00 para Lisboa, já que era o último do dia. A Taverna Típica Quarta-Feira fica bem escondida, e, como a Tasquinha d’Oliveira, tem poucas mesas e o atendimento é feito pelo próprio dono, José Dias (um portuga gordo, com farto bigode). Não sabíamos o que comeríamos. Deixamos a critério do Zé, que, prontamente, nos serviu queijo da região levado ao forno, um embutido bem gordo, pão e um cogumelo com azeite, alho e ervas. Depois, veio à mesa uma costeleta de cachaço com esparragada. Trata-se da parte de cima do lombo de um porco preto, alimentado especialmente com bolotas – uma espécie de pinhão – com parte da coluna vertebral. Confesso que não comi carne de porco mais macia e saborosa que esta na vida! O vinho era o da casa, elaborado pelo enólogo Paulo Laureano. De sobremesa, vieram “encharcadas” e “mel e nozes” com um cálice de vinho fortificado da região do Alentejo, da vinícola Mouchão.”


Mais uma vez, pode-se perceber a simplicidade no trato dos ingredientes e o apelo pelo frescor dos produtos. Não à toa, abril é época de cogumelos como os que nos foram servidos. Queijo de ovelha e embutidos são típicos da região, caracterizada pela criação de animais de corte e de leite. O porco preto, que deu origem ao magnífico prato principal é criado nas fazendas da região, e alimentado com frutos de árvores da mesma. Os acompanhamentos desempenham perfeitamente seu papel: valorizar o elemento principal do prato. No capítulo das sobremesas, novamente a abundância de gemas e açúcar; a canela; o fruto seco (dessa vez nozes).

Tudo é muito rústico, familiar, aconchegante. Prima-se pela boa comida, pela comida bem feita, não pela comida que impressiona, que é melhor para os olhos do que para a boca. A boa apresentação de um prato é, sim, importante, mas não pode possuir primazia na culinária. E a cozinha portuguesa segue bem este fundamento.

A cozinha portuguesa apresenta especificidades de acordo com as regiões, mas é unânime em um aspecto primordial: é para quem gosta de comer, não para quem gosta de falar que comeu.

Até o próximo capítulo.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Cerveja e Comida - 07/02/2010

Agora que o ano de 2010 realmente começou, já que foi-se o Carnaval, reinauguro o blog. Aliás, já estava ansioso por voltar a escrever, principalmente devido a um acontecimento ocorrido no período intermediário entre um ano e outro (como considero o tempo entre 24 de dezembro e a "quarta feira de cinzas"). Explico: após algumas tentativas fracassadas - perdoem-me pela redundância - de que fosse realizado um evento de harmonização entre cervejas e comidas, a tal ideia saiu do papel no início deste mês. Como tratava-se de um período intermediário, como disse anteriormente, não me foi possível escrever sobre o almoço logo quando este se realizou, mas, de volta à normalidade, falarei sobre o que foi, pelo menos espero, o primeiro de muitos "almoços de domingo na Nygri".

Primeiramente, devo agradecer ao Julio Nigri, dono da delicatessen especializada em cervejas importadas que leva o nome de sua família, composta, aliás, pelo "Seu Marcos" e pela "dona Elza" (pais do Julio), os quais esbanjam simpatia sempre que se entra na pequena loja localizada na Rua Uruguai, perto da esquina com a Conde de Bonfim, na Tijuca. Pequena, sim, mas certamente um dos melhores locais para se degustar uma cerveja! Tudo bem que não é necessário fazer propaganda (o "boca a boca" é o grande lance!), mas vale ressaltar as qualidades dessa casa que permanece um ambiente familiar e aconchegante e que completa 27 anos em 2010. Mesmo contando com apenas um funcionário, o folclórico Deuzimar, ninguém (ou quase ninguém) espera para ser atendido, até em dias de lotação esgotada, e todos os produtos são de altíssima qualidade.

Devidamente apresentado o local do evento, passo para o menu, com inspiração basicamente mediterrânea e que foi composto de aperitivo, entrada, prato principal e queijos: Homus tahine e Mhammara (pasta de pimentão vermelho) com torradas e pão árabe; Salada de aspargos verdes frescos com queijo Feta, ervas e cebola roxa confit; Ragout de cordeiro com feijão manteiga; Roquefort e Old Dutch Master, respectivamente.

Seguindo a sequência dos pratos, foram sugeridas algumas cervejas que, possivelmente, fariam boa combinação. Para as pastas do início, foram sugeridas a belga Duvel (somente para quem gosta de fortes emoções), a Hacker-Pschorr anno 1417, que se portou muito bem ao lado de ambas, e, após intervenção do caro LG, que dispensa comentários, uma English IPA da Greene King, que ficou ótima, segundo ele, com o Mhammara. Para a salada foram sugeridas a Tripel Karmeliet, bem frutada e complexa, com alto teor alcoólico, a Czechvar mais leve e bem equilibrada, e a campeã da etapa, Estrella Damm Inedit. As sugestões para o cordeiro foram as seguintes: Traquair House Ale, uma ale escocesa armazenada em carvalho, escura e forte, que gerou um ótimo casamento; La Trappe Dubbel, que também se portou muito bem; e a Strong Suffolk, mais uma ale britânica armazenada em carvalho, escura e forte, que não deixou por menos. Para o Roquefort foi sugerida a Chimay Bleu ou a Paulaner Salvator. Para o Old Dutch Master, a própria Salvator e as Westmalle (Dubbel e Tripel). Optou-se pela Paulaner Salvator, uma doppelbock avermelhada, frutada e forte, com notas de malte torrado bem presentes, já que, apesar de não ser tão assertiva em relação a qualquer dos queijos, imaginava-se que se portaria bem com ambos. E foi o que aconteceu. Certamente, outras opções seriam melhores, como no caso das duas indicações para o queijo holandês, mas não houve decepções.

É sempre bom lembrar que harmonização é uma coisa extremamente subjetiva. O que para um parece ótimo, para outro pode não ser agradável. Por isso, é importante experimentar e seguir as suas preferências de paladar, ainda que, é claro, não possam ser deixados de lado os fundamentos.

Quanto à avaliação dos convidados sobre a comida: eles foram bem educados...

...e como disse antes, espero que haja outros.

Um abraço e até a próxima.