Quando eu era criança - isso não faz muito tempo -, costumava encerrar os familiares almoços de domingo com algumas sobremesas - isso não mudou tanto. Uma delas normalmente era um creme (que minha bisavó fazia com cremogema) com gelatina. Era uma delícia! E até hoje tenho lembranças dessa sobremesa, que me remete diretamente aos primeiros tempos dos quais posso me lembrar. No entanto, não é de nostalgia que pretendo tratar aqui, mas sim de gelatina, ou melhor, de gosto.
gelatina com morango (não é o da minha bisavó!) |
Ainda pequeno não era capaz de duvidar sobre se aquele pó que, adicionado de água, se transformava num bloco firme mas não estático, era feito com frutas naturais. Na embalagem, o fabricante anunciava o sabor do pozinho. E nós comíamos... de olhos fechados. Alguns preferiam o "sabor morango", outros o "sabor framboesa", outros o "sabor uva"...
Um pouco depois, coisa de criança, ficava lendo as embalagens que diziam isso: "pó para gelatina sabor morango"; "contém aromatizante sintético idêntico ao natural"; ingredientes - açúcar, gelatina sal, ... aromatizante, edulcorantes artificiais aspartame, etc.". Não havia morango. Mas havia cheiro de morango. Eu dizia que tinha sabor de morango, como constava na embalagem. E é este o assunto sobre o qual pretendo discutir.A nossa boca e o nosso nariz são os grandes órgãos do gosto. É neles (e através dos olhos também - sem esquecer o tato) que sentimos as características que nos fazem diferenciar um alimento de outro. É pela ação deles que podemos dizer se algo tem gosto, e identificá-lo. Na embalagem da gelatina, contudo, era enorme o dizer: sabor MORANGO. Menor um pouco, ou muito menor, e bem no canto, escondido: aromatizante artificial morango. Pois é sabor ou é aroma? Seria a mesma coisa? Adianto que não (aliás, hoje não há mais o "sabor morango", mas " gelatina Morango"), e explico: aroma é cheiro, perfume, ainda que se perceba tanto no nariz quanto na boca; sabor é doce, ácido, amargo, salgado, umami, alcaçuz, etc. Os aromas são conferidos por moléculas ditas aromáticas, que, em contato com receptores no nariz e na boca, permitem ao nosso cérebro associá-las a algo. Estes receptores são mais numerosos no nariz, o que nos permite identificar alimentos estragados sem introduzí-los no nosso organismo. Por isso, quando estamos resfriados sentimos menos "gosto". Há substâncias que possuem sabor, mas não aroma, como no caso do Cloreto de sódio (NaCl), o sal de cozinha. Há outras que possuem muito aroma, mas pouco sabor, como o açafrão.
Estamos acostumados, quando bebemos cervejas de trigo, a dizer que elas apresentam aroma de banana. Sim, ambos tem ésteres comuns, o que nos faz pensar em tal associação. Agora, experimente perguntar a um bávaro que costuma beber Weissbier todos os dias no seu desjejum e que nunca comeu uma banana sequer se quando ele o faz, sente aroma da fruta. Ele dirá categoricamente que não tem tal aroma.
Esta foto é meramente ilustrativa, mas não quer dizer que ele nunca tenha bebido uma Weiss! |
Depois, faça-o comer uma banana. Ele dirá que tem aroma de cerveja de trigo. E ele não estará errado! Como dito acima, a nossa capacidade de identificar os aromas nos permite fazer associações, mas os aromas são portados por moléculas as quais podem estar presentes (ou serem desenvolvidas) em "alimentos" diversos e tal associação é feita a partir da nossa "memória gustativa". Da mesma maneira, é possível dizer que uma weissbier tem aroma de cravo, de pão, etc.
Na nossa língua, existem milhares de receptores, ditos papilas gustativas. Elas identificam os sabores ligando-se a substâncias determinadas, as quais atrelam-se a tais sabores, como no caso do sal, que tem como composto básico o cloreto de sódio. Açúcares como a frutose, a sacarose e a maltose são mais ou menos doces, mas são sempre doces. Já o sabor ácido está relacionado, com o perdão da redundância, aos ácidos, como por exemplo o ácido cítrico, presente no limão, na laranja, o ácido acético, presente no vinagre, etc. No início do texto, porém, quando falava da gelatina, disse que na embalagem constava o seguinte: "edulcorantes artificiais aspartame". Ora, aspartame é, na verdade, Ácido Aspartâmico, logo, com o perdão da redundância, um ácido. Entretanto, é doce!
Faz pouco tempo, uns 100 anos, no Japão, foi identificado que o sabor do glutamato (um aminoácido - ácido glutâmico) não era salgado, nem doce, nem amargo, nem ácido. O sabor do glutamato foi chamado de UMAMI, que em japonês significa "saboroso". Em estudos posteriores, descobriu-se que o umami, na verdade, se associava também, e mais fortemente, com os outros sabores, ou seja: na presença de umami, uma sopa com pouco sal era mais prazerosa que uma sopa com pouco sal sem umami. Isto porque, em alguns dos receptores para o umami, este age como um facilitador para a percepção de outros sabores, e assim, potencializa-os. Estes receptores, assim como todos os outros estão distribuídos por TODA a língua, e não em áreas específicas como costuma-se dizer. Há que se considerar, todavia, que as concentrações desses receptores podem ser variáveis. Sendo assim, de fato, na ponta da língua sentimos mais facilmente o sabor doce, nas laterais anteriores, o salgado, nas posteriores, o ácido, e no centro, o amargo, como mostra a figura.
Os receptores estão distribuídos por toda a língua, ainda que com concentrações diferentes |
Hoje em dia, desconfia-se ainda da existência de outros sabores (infinitos, quem sabe?), como o alcaçuz. Considera-se importante, também, a análise da oleosidade (gorduras), da adstringência (taninos), da picância (cápsicos), da temperatura, da densidade, etc., e se tais elementos influenciam e/ou representam "sabores". Isto mostra que ainda há muito o que pesquisar, desvendar, e que as verdades absolutas não são bem aceitas.
Um abraço.