segunda-feira, 25 de junho de 2012

Sobre percepções gustativas

Quando eu era criança - isso não faz muito tempo -, costumava encerrar os familiares almoços de domingo com algumas sobremesas - isso não mudou tanto. Uma delas normalmente era um creme (que minha bisavó fazia com cremogema) com gelatina. Era uma delícia! E até hoje tenho lembranças dessa sobremesa, que me remete diretamente aos primeiros tempos dos quais posso me lembrar. No entanto, não é de nostalgia que pretendo tratar aqui, mas sim de gelatina, ou melhor, de gosto.


gelatina com morango (não é o da minha bisavó!) 

Ainda pequeno não era capaz de duvidar sobre se aquele pó que, adicionado de água, se transformava num bloco firme mas não estático, era feito com frutas naturais. Na embalagem, o fabricante anunciava o sabor do pozinho. E nós comíamos... de olhos fechados. Alguns preferiam o "sabor morango", outros o "sabor framboesa", outros o "sabor uva"...
Um pouco depois, coisa de criança, ficava lendo as embalagens que diziam isso: "pó para gelatina sabor morango"; "contém aromatizante sintético idêntico ao natural"; ingredientes - açúcar, gelatina sal, ... aromatizante, edulcorantes artificiais aspartame, etc.". Não havia morango. Mas havia cheiro de morango. Eu dizia que tinha sabor de morango, como constava na embalagem. E é este o assunto sobre o qual pretendo discutir.
A nossa boca e o nosso nariz são os grandes órgãos do gosto. É neles (e através dos olhos também - sem esquecer o tato) que sentimos as características que nos fazem diferenciar um alimento de outro. É pela ação deles que podemos dizer se algo tem gosto, e identificá-lo. Na embalagem da gelatina, contudo, era enorme o dizer: sabor MORANGO. Menor um pouco, ou muito menor, e bem no canto, escondido: aromatizante artificial morango. Pois é sabor ou é aroma? Seria a mesma coisa? Adianto que não (aliás, hoje não há mais o "sabor morango", mas " gelatina Morango"), e explico: aroma é cheiro, perfume, ainda que se perceba tanto no nariz quanto na boca; sabor é doce, ácido, amargo, salgado, umami, alcaçuz, etc. Os aromas são conferidos por moléculas ditas aromáticas, que, em contato com receptores no nariz e na boca, permitem ao nosso cérebro associá-las a algo. Estes receptores são mais numerosos no nariz, o que nos permite identificar alimentos estragados sem introduzí-los no nosso organismo. Por isso, quando estamos resfriados sentimos menos "gosto". Há substâncias que possuem sabor, mas não aroma, como no caso do Cloreto de sódio (NaCl), o sal de cozinha. Há outras que possuem muito aroma, mas pouco sabor, como o açafrão.
Estamos acostumados, quando bebemos cervejas de trigo, a dizer que elas apresentam aroma de banana. Sim, ambos tem ésteres comuns, o que nos faz pensar em tal associação. Agora, experimente perguntar a um bávaro que costuma beber Weissbier todos os dias no seu desjejum e que nunca comeu uma banana sequer se quando ele o faz, sente aroma da fruta. Ele dirá categoricamente que não tem tal aroma.


 Esta foto é meramente ilustrativa, mas não quer dizer que ele nunca tenha bebido uma Weiss!

Depois, faça-o comer uma banana. Ele dirá que tem aroma de cerveja de trigo. E ele não estará errado! Como dito acima, a nossa capacidade de identificar os aromas nos permite fazer associações, mas os aromas são portados por moléculas as quais podem estar presentes (ou serem desenvolvidas) em "alimentos" diversos e tal associação é feita a partir da nossa "memória gustativa". Da mesma maneira, é possível dizer que uma weissbier tem aroma de cravo, de pão, etc.
Na nossa língua, existem milhares de receptores, ditos papilas gustativas. Elas identificam os sabores ligando-se a substâncias determinadas, as quais atrelam-se a tais sabores, como no caso do sal, que tem como composto básico o cloreto de sódio. Açúcares como a frutose, a sacarose e a maltose são mais ou menos doces, mas são sempre doces. Já o sabor ácido está relacionado, com o perdão da redundância, aos ácidos, como por exemplo o ácido cítrico, presente no limão, na laranja, o ácido acético, presente no vinagre, etc. No início do texto, porém, quando falava da gelatina, disse que na embalagem constava o seguinte: "edulcorantes artificiais aspartame". Ora, aspartame é, na verdade, Ácido Aspartâmico, logo, com o perdão da redundância, um ácido. Entretanto, é doce!
Faz pouco tempo, uns 100 anos, no Japão, foi identificado que o sabor do glutamato (um aminoácido - ácido glutâmico) não era salgado, nem doce, nem amargo, nem ácido. O sabor do glutamato foi chamado de UMAMI, que em japonês significa "saboroso". Em estudos posteriores, descobriu-se que o umami, na verdade, se associava também, e mais fortemente, com os outros sabores, ou seja: na presença de umami, uma sopa com pouco sal era mais prazerosa que uma sopa com pouco sal sem umami. Isto porque, em alguns dos receptores para o umami, este age como um facilitador para a percepção de outros sabores, e assim, potencializa-os. Estes receptores, assim como todos os outros estão distribuídos por TODA a língua, e não em áreas específicas como costuma-se dizer. Há que se considerar, todavia, que as concentrações desses receptores podem ser variáveis. Sendo assim, de fato, na ponta da língua sentimos mais facilmente o sabor doce, nas laterais anteriores, o salgado, nas posteriores, o ácido, e no centro, o amargo, como mostra a figura.


Os receptores estão distribuídos por toda a língua, ainda que com concentrações diferentes

Hoje em dia, desconfia-se ainda da existência de outros sabores (infinitos, quem sabe?), como o alcaçuz. Considera-se importante, também, a análise da oleosidade (gorduras), da adstringência (taninos), da picância (cápsicos), da temperatura, da densidade, etc., e se tais elementos influenciam e/ou  representam "sabores". Isto mostra que ainda há muito o que pesquisar, desvendar, e que as verdades absolutas não são bem aceitas.

Um abraço.